terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Republica dos dependentes


Novo modelo de reabilitação para viciados em drogas e álcool usa rotina em comunidade como ponte entre a desintoxicação e a vida livre da dependência

Republica dos dependentes

Ex-dependentes químicos dividem casa na Vila Clementino, zona sul de São Paulo
São Paulo está adotando um modelo inédito de reabilitação da dependência química: a criação de repúblicas para usuários de drogas que passaram por processos de desintoxicação. Uma casa-piloto, com oito jovens, funciona há nove meses na Vila Clementino, zona sul.
Outras cinco repúblicas semelhantes, voltadas para o tratamento de moradores de rua, devem ser abertas a partir de março pela prefeitura.
Os projetos são coordenados pela Uniad (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Na casa, a rotina é parecida com a de uma república de estudantes. Os jovens, com idade média de 25 anos, fazem a comida, lavam a roupa, arrumam a casa. Cada um tem uma cópia da chave e entra e sai a hora que desejar.
A abstinência tem que ser total (nem cerveja pode). Não há ninguém fiscalizando, mas testes antidrogas e bafômetros são usados para checar se eles estão "limpos".
Nos últimos meses, três jovens tiveram que sair da casa porque sofreram recaídas, segundo o orientador da república, Marcos Vieira, 41.
Espécie de conselheiro dos jovens, Vieira já foi usuário de drogas, abandonou o vício e hoje trabalha como terapeuta especializado em dependência química. É ele que aplica os testes na casa.
O jovens são obrigados a manter o tratamento para a dependência (com remédios, psicoterapia e grupos de ajuda mútua) fora da casa e a retomar estudos ou trabalho.
Sete dos oito moradores estudam ou trabalham. O tempo de abstinência vai de três meses a um ano.
Como contrapartida, o projeto oferece o imóvel e o pagamento de despesas da casa, por meio de patrocínio.
Os jovens bancam comida e despesas pessoais.
Inspirado nas "sober houses" americanas (casas da sobriedade, em tradução literal), o projeto busca resolver um dilema no tratamento da dependência: o que fazer após a desintoxicação?

RECUPERAÇÃO
Há uma certa unanimidade entre os médicos de que só a internação não basta.
"Ela é boa para estabilizar a pessoa. O desafio é como ajudá-la a retomar os laços familiares, o estudo, o trabalho. As casas de transição podem ser uma boa opção", diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador da Uniad e do projeto das repúblicas.
Na literatura médica, estudos mostram que a permanência nas "sober houses"- em conjunto com outras terapias- aumenta as chances de recuperação.
As pesquisas também mostram que elas são viáveis financeiramente se forem autossustentáveis-os pacientes tocam os serviços da casa e pagam suas despesas.
Para o psicólogo Jason Leonard, que estuda há 15 anos esses modelos e é autor do livro "Vidas Resgatadas", ter rotina e estrutura longe do ambiente que propicia o uso de drogas é fundamental para a recuperação.
"Com a abstinência, o apoio e a comunhão entre pessoas que estão no mesmo barco, é provável que você tenha um resultado muito bom", disse ele à Folha.
A psicóloga Ilana Pinsky, vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, afirma que a iniciativa torna os jovens adictos mais independentes. "Ao viver em comunidade, eles precisam ter responsabilidade e, ao fazer as coisas por conta própria, descobrem que são capazes."

Folha de São Paulo - CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

Nenhum comentário:

Postar um comentário